20/06/2020
Nenhum brasileiro revelou tanto pendor para a Ginástica Aeróbica como Marcela, para quem vencer era tão natural como respirar
O São Paulo Futebol Clube era praticamente o quintal da casa das irmãs Marcela e Marina Lopez, sobretudo a sala de dança. Era lá que a dupla começou a fazer ballet, quando tinha uns quatro ou cinco anos de idade. Pouco tempo depois, as duas descobriram a Ginástica Rítmica. Encantadas pela professora, Regina de Oliveira, talvez até tivessem se tornado grandes atletas dessa modalidade – chegaram a ser campeãs estaduais de conjunto. Mas Regina, que era também atriz, juntou-se à trupe de Cacá Rosset, um dos fundadores do Teatro do Ornitorrinco, o que fez a história mudar.
“A gente ficou bem chateada com a saída dela. Criança se apega, né? A treinadora que assumiu a GRD, a Rose Inês, era ótima também, mas já não tínhamos aquela empolgação”.
Quando as irmãs Lopez tinham entre nove e dez anos (Marina é 11 meses mais velha), a treinadora Luciana July as convidou para as aulas de um projeto chamado Aerokids, um baita sucesso. “Quisemos experimentar a aeróbica. Já estávamos nos anos 90, época do boom do esporte. Os campeonatos passavam na Globo, e a garotada se ligava. Tinha 40 crianças inscritas no Aerokids e uma lista de espera de 60”.
Marcela se apaixonou pela aeróbica, e é bem possível dizer que a aeróbica também viveu um caso de amor com a atleta. “Era um talento muito visível - expressão, dança, precisão: simplesmente era tudo perfeito. A Marcela realizava os movimentos com tanta técnica que fazia parecer fácil. Basta lembrar que ela sofreu pouquíssimo desgaste ao longo da carreira justamente por se movimentar como se deve. A Marina também é um talento, mas não tão à superfície. Ela tinha que batalhar mais, trabalhar bastante nos treinos”, recorda Luciana.
Em três meses, as Lopez chegaram à equipe de competição do Tricolor. Com outra sócia da agremiação, Cibele Oliani, formaram um trio que fez história na modalidade. Nas competições individuais, Marcela praticamente só conhecia o caminho que leva ao degrau mais alto do pódio, raramente ocupando os demais. “Poucas vezes perdi. Sou até grata pelas derrotas, que me fizeram aprender. Na verdade, ficava revoltada quando não vencia, mas era uma revolta sadia. Quando acontecia, só queria saber de treinar para corrigir o que não estava tão bom”.
Com essa voracidade toda por títulos, Marcela rumou para a capital búlgara, Sofia, sede do Mundial da FIG de 2004, preparada para pendurar no pescoço os ouros do individual e do trio. Ela só não contava que o formato da competição, mesclando as finais, fosse seu mais sério rival. Em ambas as disputas, ela se classificou em segundo lugar na primeira fase. O sorteio, no entanto, encavalou as duas apresentações: uma seria seguida pela outra. A regra determina que uma ginasta descanse pelo menos dez minutos entre as séries, e a brasileira se viu obrigada a escolher – optou por disputar a final do trio, para não deixar Marina e Cibele na mão. Resultado: a primeira medalha de ouro de Mundial da FIG e um gosto esquisito e amargo, por não ter podido lutar pela segunda.
No Mundial de 2006, em Nanquim, na China, o drama se repetiu. Marcela se classificou em primeiro lugar no individual, e o trio brasileiro obteve a segunda melhor nota na fase classificatória. Daquela vez, a ginasta foi instruída pela então presidente da CBG, Vicélia Florenzano, a competir no individual. A dirigente alegou, não sem razão, que aquela seria uma medalha inédita. “Acatei a ordem, mas saí do palco chorando, pensando em encerrar a carreira. Foi muito difícil deixar minha irmã e minha amiga fora da final. Elas me apoiaram, mas é claro que ficaram tristes. Muita gente viu a imagem da final e achou que eu estava chorando de emoção, mas era de tristeza mesmo”.
Na edição seguinte da competição, em Ulm, na Alemanha, a sina estava prestes a se repetir. Mas a CBG notou que um italiano, que vivia a mesma situação, foi autorizado a competir no trio e no individual sem observar o descanso de dez minutos entre as duas finais. A presidente da Confederação, que já era Maria Luciene Cacho Resende, insistiu para que a brasileira também tivesse o direito de competir pelas duas medalhas, e as autoridades da FIG se viram obrigadas a concordar, por terem aberto o precedente.
“Competi no trio com a roupa do individual, cujo tema era Rocky Balboa. Ficou esquisito, mas finalmente pude conquistar as duas medalhas no mesmo Mundial”, recorda Marcela, que faturou o ouro ao som de “Eye of the Tiger”, da banda Journey. No trio, as brasileiras ficaram com a terceira colocação. “Foi um bronze com sabor de ouro, porque finalmente pude comemorar novamente com as meninas”.
Em 2010, Marcela, a exemplo do que fizera o time de futebol do Tricolor cinco anos antes, faturou o tri mundial, em Rodes, na França. No trio, as brasileiras cometeram uma falha na coreografia, e ficaram fora do pódio. “A gente compete contra os homens. Eles foram melhorando muito, apostando na força, o que nos pressionou muito a equilibrar na parte técnica. Naquela final, só o Brasil e duas duplas da Romênia competiram com trios exclusivamente femininos. Com o passar do tempo, os elementos em que pesa a flexibilidade passaram a ter valor mais baixo no código de pontuação, o que tornou tudo mais difícil”.
Para tristeza de seus muitos fãs, no Brasil e no exterior, Marcela fechou sua participação em Mundiais em Rodes. A treinadora Luciana July acredita que, aos 28 anos naquele momento, sua pupila ainda teria muita lenha para queimar. “Preferi parar no auge”, diz Marcela, que sentira o gostinho de se consagrar em Kaohsiung, em Taiwan, no ano de 2009, no World Games, competição poliesportiva que reúne esportes não-olímpicos – espécie de Olímpiada dessas modalidades.
Marcela tinha fã-clube no Japão. Ao desembarcar no Aeroporto de Narita, ela era sempre presenteada com toda a sorte de espelhinhos, lembrancinhas e bugigangas. A paulistana cansou de se consagrar no antigo Mundial da IAF (International Aerobics Federation), sempre realizado em Tóquio. Em 2001, a FIG encampou a competição, que se tornou etapa do World Series - Suzuki World Cup. “Até 2000, o campeão levava um carro da Suzuki. Era para eu ter uns 15 automóveis, somando-se títulos individuais e de trio no Japão. Infelizmente, em 2001, quando comecei a competir lá, a premiação passou a ser só em dinheiro”.
A ginasta é referência para a aeróbica brasileira e também no Morumbi. “Alguns dos meus troféus e medalhas estão expostos no Memorial Tricolor, e fico feliz pelo reconhecimento. Em muitos intervalos de jogos, eu me apresentei num tablado que eles colocavam no gramado do estádio”.
Em 2018, Marcela foi Embaixadora do Mundial de Guimarães, em Portugal, a convite da FIG. Depois, recebeu proposta para ser treinadora no projeto Guima Gym, bancado pela iniciativa privada lusitana, e hoje reside na Cidade-Berço – assim chamada por lá ter nascido o primeiro rei de Portugal, Dom Henrique, e por naquela região terem se desenrolado eventos fundamentais para a independência portuguesa.
Reconhecida por sua trajetória impressionante, Marcela sente-se orgulhosa pelo legado deixado para a aeróbica brasileira. “Até hoje recebo mensagens de atletas brasileiros e de outros países da América Latina, que se dizem inspirados em minhas coreografias e nos meus títulos. Acho que essa história serve como incentivo para que muita gente continue no esporte. Por ser uma modalidade não olímpica, é difícil conseguir patrocínio, e muita gente boa acaba desistindo. Penso que meu legado convence alguns a acreditar que nada é impossível, e que vale a pena continuar lutando”.
A Confederação Brasileira de Ginástica é patrocinada pela CAIXA.
Publicado pela Plataforma SGE da Bigmidia - Gestão Esportiva com Tecnologia
A Plataforma SGE é um Sistema de Gestão Esportiva desenvolvido para Confederações e Federações Esportivas. Saiba tudo sobre o funcionamento de um sistema de gestão esportiva e conheça melhor o SGE!
Institucional
Modalidades
Calendários
Eventos
Regulamentos Técnicos
Organização
Resultados
Governança
Marketing
Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Para mais informações, consulte a nossa nova política de privacidade.