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Um objetivo agarrado com unhas e dentes

25/10/2020

Bruno Martini ainda tinha uns dentes de leite quando decretou: “Vou ser campeão mundial”. Em 2011, ele confirmou seu vaticínio, com uma inesquecível conquista no Duplo Mini

Um objetivo agarrado com unhas e dentes

Shirley Arantes lembra até hoje de uma entrevista de Bruno Martini. A voz parecia partir do fundo da alma, tamanha a convicção, e os sons não encontraram muitas barreiras. A parte de cima da comissão de frente original, composta pelos dentes de leite, já não estava ali. E o sentido da frase era ainda mais claro do que o som: “Eu vou ser campeão mundial”.

Nem o próprio Bruno sabe precisar quando inventou esse sonho. Diz que, ainda bem pequenino, acompanhava as irmãs ao ginásio onde praticavam Ginástica Artística, no Colégio Verbo Divino. Ficava pulando e brincando em algum canto enquanto as duas se exercitavam. Assim que completou a idade mínima permitida, 4 anos de idade, a professora perguntou aos pais do garoto serelepe se não poderiam inscrevê-lo também na atividade. “Se ele gostar, continua aqui com a gente, na Escolinha de Ginástica Artística”.

Fato é que o menino gostou. Prova disso, só foi parar de pular 24 anos depois. Ao longo dessas quase duas décadas e meia, Bruno se tornou campeão do Mundial de Trampolim da Federação Internacional de Ginástica e dos World Games no Duplo Mini. É um dos maiores nomes da história brasileira na Ginástica de Trampolim.

No começo, era o Verbo. Numa Copinha, competição escolar em que representava o colégio, Bruno chamou a atenção de um treinador do Flamengo, que atuou como árbitro naquele evento. “O que vocês dão pra esse menino? Arroz, feijão e mola?”, perguntou ele a Shirley. O garoto recebeu então o convite para fazer um teste no clube rubro-negro. Fez, passou.

Aos 8 anos de idade, Bruno se deslocava, três dias por semana, por cerca de 120 km, de Barra Mansa, sua cidade natal, até a Gávea. Lá, foi contemporâneo de Diego Hypolito e Victor Rosa na turma de Ginástica Artística. Graças a seu empenho e ao talento, o pequeno barra-mansense não precisou esperar muito para sentir o gostinho de conquistas internacionais: aos nove anos, viajou a Cuba, para participar da Copa Gimnastas del Futuro, e de lá retornou com um ouro (salto), prata (equipes) e bronze (individual geral).

A essa altura do campeonato, Bruno já flertava com o trampolim. Além da perspectiva de alçar voo, o que fascina tantas crianças (e também marmanjos), havia outros fatores que o faziam pender para essa modalidade. “Cheguei a um ponto em que teria que me mudar para o Rio para poder treinar todos os dias no Flamengo. Isso iria mexer com a vida de toda a minha família. Além disso, não havia muitos atletas federados na minha categoria no Rio. Eu competia basicamente contra o Diego e o Victor. Como eram um pouco mais velhos do que eu, não conseguia ganhar muito deles”, diz o rapaz, com seu “misterioso” sotaque barra-mansense.

Barra Mansa se localiza na porção fluminense do Vale do Paraíba, fazendo parte de rotas dos tropeiros que se deslocavam entre Rio, São Paulo e Minas durante o Ciclo do Café. Muitos mineiros se assentaram em BM e influenciaram a expressão oral local. Ao falar, o cidadão barra-mansense é confundido com um mineiro aos ouvidos de outros fluminenses; quando conversa com um paulista ou mineiro, passa por carioca. O barra-mansense tem um sotaque intermediário: o “s” antes de consoante ou em posição final é sibilado, como na pronúncia paulista, sem carregar o chiado carioca. Já o “r” é glotal, como o dos mineiros, bem diferente do retroflexo tão nítido nos piracicabanos e do uvular dos cariocas.

Shirley, uma ex-nadadora formada em Educação Física, era estagiária no Verbo Divino quando Bruno apareceu por lá. Acompanhava o pupilo às terças, sextas e sábados, dias que ele reservava para treinos no Rubro-Negro. Às segundas, quartas e quintas, ela o treinava em Piraí – cidade que fica a uns 30km de Barra Mansa. A Ginástica de Trampolim estava ganhando impulso, e havia, na época, uma quantidade maior de competições e de competidores na faixa etária de Bruno, segundo ele.

“Lembro daquele momento de decisão, e de o Bruno dizer que queria treinar com a ‘tia Shirley’, que é a forma como ele me chama até hoje. Fiquei feliz, e, ao mesmo tempo, senti o tamanho da responsabilidade. Eu me obriguei a estudar tudo o que fosse possível, para estar à altura daquele desafio, porque sabia que tinha um grande talento nas minhas mãos”, diz Shirley, que recebeu a ajuda do treinador cubano Ernesto Garcia no aprendizado.

A treinadora acabou por se tornar uma grande amiga da família Martini, a ponto de irem juntos passar as férias em Cabo Frio. Mas Bruno parecia ter dificuldades de entender o conceito de férias: pouco afeito a ficar deitadão ao sol, na areia macia das belas praias do lugar, como a do Foguete, dava um jeito de continuar treinando. “Ele não parava. Ficava fazendo abdominais e subia e descia as dunas, para fortalecer as pernas”, diz Shirley.

A obstinação de Bruno parecia contagiosa. Avô de Shirley, Evadio Silva, o Vô Vadinho, não ficava indiferente. O garoto precisava de uma boa academia, e o industrioso vovô não teve dúvidas: derrubou as paredes internas de dois apartamentos que construíra com a finalidade de alugá-los, de modo a reforçar os proventos de aposentado. Encerrado o trabalho com as marretas, perguntou a Shirley: “Tá bom este espaço pra você começar com o Bruno?”.

Vô Vadinho não ficava a lamentar a falta de bons equipamentos. Espécie de Professor Pardal da vida real, dava um jeito de construir estrutura. “Ele pegou uma Kombi e foi de borracharia em borracharia recolhendo pneus velhos. Depois juntou madeirite e uns colchõezinhos e fez nossa pista de Tumbling”, narra Shirley. “Parecia um Tumbling de verdade”.

Se a pista parecia de verdade, os treinos nela e no duplo-mini da academia eram mais do que reais: Bruno fazia suas repetições e inventava saltos, cheios de piruetas e de mortais. O circuito internacional acompanhou o crescimento da ferinha. Aí estão alguns títulos nas categorias de base (por idades, ou age groups) : vice do Indo-Pacífico da África do Sul no Tumbling (1997);  campeão do Mundial de Sun City (África do Sul) no Tumbling (99); vice-campeão no Mundial de Hannover (Alemanha) no Duplo Mini (2003); campeão do Indo-Pacífico de Tumbling e Duplo Mini de Kelowna (Canadá) (2004).

Com todos esses títulos, Bruno era respeitado, querido e admirado pela comunidade internacional da modalidade. Dessa forma, considerava-se que o brasileiro era forte candidato ao pódio no Mundial de 2009, em São Petersburgo, na Rússia.

“Eu tinha ido para a final em quinto lugar. Na final, meu primeiro salto foi muito bom. Vi que estava entre os três primeiros. Achei que já estava no pódio e comemorei, abracei a Shirley”.

Na segunda série de saltos, no entanto, dois competidores ultrapassaram o competidor brasileiro. Resultado: o pódio foi formado pelos portugueses André Lico (75.500) e André Fernandes (69.300). No meio dos dois lusitanos, ficou o sueco Tim Lunding (69.600). Bem perto de Fernandes, numa dolorosa quarta colocação, ficou Bruno (67.800).

No Mundial seguinte, Birmingham-2011, Bruno não deu mole. O primeiro salto, um triplo mortal carpado, recebeu a nota 35.900. Para poder realizar o sonho dourado, necessitava de 36.300. Inspiradíssimo, o brasileiro caprichou e, sem dar margem a dúvidas, mandou ver num triplo mortal grupado de saída, que valeu 37.000. A festa feita por Bruno, Shirley e Alexandro Rungue, treinador do Minas Tênis Clube, comove qualquer ser que não seja insensível até hoje – é possível ver as imagens pelo YouTube.

No primeiro semestre de 2010, Bruno se transferiu de Piraí para o MTC, de Belo Horizonte, em busca de melhores condições de treino. Rungue tem boas lembranças desse período:

“Bruno foi um atleta superdedicado, superconcentrado. Teve uma passagem muito boa pelo Minas. Era um cara que agregava: ajudava os outros, dava dicas. Conversava com os mais jovens e os orientava a não enrolar nos treinos, a dar sempre o melhor. Era ídolo no clube. E, mesmo com esse potencial todo, nunca deixou de ser humilde”.

Além do ouro, Martini trouxe na bagagem, de Birmingham, a medalha de prata na competição por equipes do Duplo Mini – o quarteto brasileiro era formado por Bruno, Edmon Vidal de Abreu, Arthur Iotte e Rodrigo Isidoro Bachur.

O resultado obtido na Inglaterra classificou Bruno para os Jogos Mundiais (World Games) de 2013, disputados em Cali, na Colômbia. Os Jogos Mundiais são comumente definidos como os “Jogos Olímpicos das modalidades não olímpicas reconhecidas pelo Comitê Olímpico Internacional”.

Em grande fase, não deu outra. Bruno conquistou o ouro (75.400), deixando para trás Mikhail Zalomin (75.200), o russo que é dono, hoje, de cinco títulos mundiais no Duplo Mini, e André Lico, o português que fora campeão no Mundial de 2009, entre outras façanhas.

“Eu considero o título dos World Games ainda mais importante do que o Mundial, porque é um evento que ocorre a cada quatro anos. E ele é a nossa Olimpíada”, acrescenta o brasileiro.

Com grande orgulho por ter colaborado para que o garoto de Barra Mansa realizasse seus sonhos, Shirley recebeu, anos depois, da CBG, uma aparelhagem de primeira.

“Começamos em Piraí com um projeto humilde, e hoje temos aparelhos que nos ajudarão a formar novos campeões. Essa é uma vitória titânica que tivemos. Fico imaginando o que o Bruno faria se dispusesse dos aparelhos que temos hoje”, diz a treinadora. “Eu me emociono até hoje ao falar do Bruno. Só quem viveu o que vivemos consegue entender o que ele fez para chegar aonde chegou”.

No intuito de registrar essa epopeia, de forma a inspirar outros atletas e treinadores, a treinadora lançou, em 2015, ano em que Bruno encerrou a carreira, o livro “Um Salto para a Vitória”, da editora RQV. Hoje, o campeão toca os negócios da família. Para amenizar as saudades dos tempos em que voava, atua como árbitro, observando outros saltos.

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