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Missão Pódio

27/09/2020

Depois de amargar um frustrante quarto lugar no Pan de San Juan, a Seleção Brasileira Feminina de Ginástica Artística rumou para a edição seguinte, em 83, firmemente disposta a pisar o pódio do maior evento das Américas pela primeira vez. Com muita garra, as guerreiras bateram as venezuelanas em plena Caracas

Missão Pódio

 

O “Memória de Ouro CBG” aborda fatos verídicos. Nesta edição, focamos a conquista da primeira medalha da história da Ginástica Artística Feminina nos Jogos Pan-Americanos, o bronze da competição por equipes, obtido em Caracas, em 1983. Mas isso não impede que a narrativa contenha elementos de fábula. Eliane Pereira, reserva daquela equipe, conta que um dia, erguendo um dos colchões que utilizava para treinar, no ginásio do Tijuca Tênis Clube, encontrou um pé de feijão. Havia gigantes? Segundo alguns relatos, parece que tínhamos lá umas gigantas que não passavam muito de 1,60m, mas com determinação de sobra.

A bem da verdade, a história começa a se desenrolar na edição anterior do Pan, a de San Juan de Porto Rico/79. A equipe feminina era então considerada a principal aposta de medalha, e acreditava-se que Lilian Carrascoza, dona de um brevê conferido pela FIG, poderia subir ao pódio em alguma disputa individual. Mas nenhuma dessas expectativas se confirmou. O México levou o bronze almejado pelo Brasil na competição por equipes, enquanto Canadá e Cuba, que tinham nível superior, assenhoraram-se do ouro e da prata, respectivamente.

O quarto lugar machucou um pouco o orgulho da Ginástica Artística Feminina. Mas havia indicadores de que o nível da Ginástica Brasileira, como um todo, melhorava. Prova disso era a conquista do bronze pela equipe masculina, em San Juan. O próprio brevê de Lilian significava um eloquente atestado de evolução – era outorgado pela Federação Internacional a ginastas que registrassem média acima de 9 em grandes competições. Ela havia alcançado a façanha no Mundial de Estrasburgo, em 1978, o primeiro para o qual o Brasil enviara equipe completa.

“Nossas ginastas ficaram nervosas nos últimos rodízios em San Juan. Não levamos sorte”, conta Berenice Arruda, treinadora da Seleção Feminina Brasileira nos Pans de 79 e 83.

“O Brasil fazia um esforço muito grande para crescer na ginástica. Em Estrasburgo, até pedi para confeccionarem um jogo de collants nas cores preta, vermelha e amarela, na tentativa de agradar à diretora técnica da FIG, que era alemã”, recorda Berenice. “Naquele Mundial, fizemos séries as mais simples possíveis, dentro da nossa realidade, mas com muita elegância na execução. Recebemos elogios, fomos reconhecidas”.

 Algumas outras iniciativas, bastante ambiciosas, foram cultivadas com o objetivo de tirar a Ginástica brasileira da obscuridade. Foi o caso do Projeto Medalha de Ouro, lançado por um militar da reserva, o coronel Hugo Roquete, professor e coordenador do Colégio Impacto.

“Ele me procurou no Tijuca Tênis Clube, onde eu trabalhava, querendo montar um projeto com o objetivo de conquistar medalha olímpica de ouro, daí o nome. Respondi que seria impossível, pois levaríamos alguns anos até formar ginastas de excelente nível. Mas criamos a estrutura. Fui à Alemanha para ver o sistema deles. Montamos a primeira equipe multidisciplinar da história do esporte brasileiro”, narra Berenice.

A comissão tinha 14 membros – técnicos, médico, psicólogo, enfermeira e até um pianista, entre outros. A Marinha cedeu as instalações do Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes. “Pela primeira vez vimos o que era um fosso”, descreve Eliane.

Berenice percorreu o país e selecionou seis meninas com idades entre 11 e 13 anos. Cinco estados estavam representados: Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. O grupo se apresentou no dia 25 de agosto de 1980. Dez meses depois chegou o soviético Mihail Klimenko, responsável pela revelação de Yelena Mukhina, que havia conquistado cinco medalhas, sendo três de ouro, em Estrasburgo. Estava sendo preparada para despontar como a grande estrela dos Jogos de Moscou, mas sofreu uma lesão antes do evento. Vieram também treinadores da Tchecoslováquia e da China.

Naquele grupo, Tatiana Figueiredo e Eliane alcançaram grande progresso, e foram convocadas para o Pan de 83 – Tatiana como titular e Eliane como reserva. Na época do evento de Caracas, ambas tinham apenas 15 anos de idade.

O Projeto Medalha de Ouro, que embutia grandes aspirações visando aos Jogos Olímpicos de Los Angeles-84, terminou antes mesmo do Pan de Caracas. Mas um passo importante fora dado pela Ginástica. As ginastas treinavam por seis horas diárias – à tarde, estudavam com os professores do Impacto.

“Vinham treinadores do Brasil todo para aprender com os estrangeiros. Isso foi muito importante para o desenvolvimento técnico do País”, conta Berenice.

Um outro polo muito importante da Ginástica carioca era a Universidade Gama Filho, erguida em Piedade, bairro da zona norte do Rio, por Luís da Gama Filho, antigo ministro do Tribunal de Contas do Distrito Federal. “A Gama Filho tinha equipes de judô, natação, caratê. Na ginástica, tínhamos um set maravilhoso de aparelhos, da Spieth”, diz Altair Prado.

Na UGF, o trabalho na Ginástica era liderado pelo treinador Mário César de Carvalho, que fez parte da comissão técnica em Caracas. “Ele tinha umas peculiaridades muito boas – alta capacidade estratégica, carisma. O que ele falava, assinávamos embaixo, porque nos passava muita firmeza e paz”, conta Altair.

Muito jovem na época, Tatiana não sabe dizer se as veteranas do Pan anterior estavam com a quarta colocação entalada na garganta. “Não recordo se havia pressão. Comentava-se que havia uma promessa, de que algumas subiriam as escadarias de uma igreja. Eu não fui”.

É Altair, uma das que voltaram de Porto Rico sem medalha, que transmite a noção da sede por conquistas que havia. “Em 79, havíamos terminado as séries obrigatórias na terceira colocação, mas o bronze acabou escapando. Ficamos muito mordidas. Em Caracas, tínhamos que conquistar aquela medalha de qualquer maneira. Estávamos com a faca entre os dentes”.

O foco era totalmente voltado para a tentativa de desbravar o pódio, território jamais pisado pela Ginástica Artística Feminina Brasileira até então. Ninguém quis fazer o tour turístico oferecido pelo Comitê Organizador, que compreendia visita à casa de Simon Bolívar, ao Panteão Nacional, ao Cerro del Avila e ao hipódromo de La Rinconada. Sair da Vila Pan-Americana era bem complicado. Segundo a Folha de S. Paulo, o litro da gasolina custava então Cr$ 12,90 – um exemplar do próprio jornal saía por Cr$ 150,00. A frota de meio milhão de veículos tinha apenas 87 quilômetros de estradas para percorrer e 960 de ruas e avenidas. Como o combustível era muito barato, os caraqueños criaram o hábito de pegar o automóvel até mesmo para ir à padaria da esquina, e formavam um caos capaz de impressionar até os paulistanos.

O país atravessava uma crise econômica séria. As obras do Pan não estavam totalmente acabadas antes da Cerimônia de Abertura. O dinheiro fácil proveniente da extração do petróleo fora canalizado para um modelo econômico que se alicerçava numa indústria nacional muito dependente do apoio estatal e concentrada nas mãos do capital estrangeiro. Em fevereiro de 83, o governo de Luis Herrera Campíns viu-se premido a desvalorizar o bolívar, antes um orgulho da estabilidade e solidez da economia venezuelana.

Alheias a esses dramas econômicos, as integrantes da Seleção de Ginástica seguiam seu caminho, que não prometia ser fácil. “A gente estava muito concentrada. Às vezes encontrávamos os atletas dos outros esportes e conversávamos um pouco. O pessoal do basquete era muito carinhoso com a gente. Como éramos novas e baixinhas, o Oscar e o Marcel chamavam a gente de mascotes”, lembra Altair.

A descontração se esvaiu nos dias de competição, no Ginásio Coberto da UCV (Universidade Central da Venezuela), que é conhecido como “La Cachucha”, por ter o formato de um boné, e é reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco por seu valor arquitetônico.

Jaqueline Pires, de quem se esperava pontuação abundante no salto, fez um salto apenas. Mas foi um baita salto: Tsukahara com pirueta.

Ela disse assim: ‘vou fazer um só e vou acertar’. Dito e feito: foi lá e cravou, empolga-se Altair, 37 anos depois, vibrando com o feito da colega, narrado com riqueza de detalhes, como se tivesse ocorrido ontem.

“Acabou que corri, dei o salto e aterrissei em pé”, resume Jaqueline.

Em 1983, Tatiana era uma ginasta pra lá de promissora. Quando o projeto do Colégio Impacto se desfez, não quis regredir e pediu a seu pai uma chance para poder treinar nos Estados Unidos. Bem antes do Pan de Caracas, graças a alguns contatos, foi se preparar em Eugene, no Oregon, com Dick Mulvihill, treinador responsável pelos treinamentos de 15 ginastas olímpicas – entre elas a própria Tatiana, que conseguiu vaga para os Jogos de Los Angeles no Mundial Pré-Olímpico ainda em 83, em Budapeste.

Com Estados Unidos e Cuba a uma distância já inalcançável após os primeiros rodízios, restou ao Brasil o desafio de medir forças com as aguerridas venezuelanas – e com uma torcida inflamada, que lotou “La Cachucha” e parecia prestes a encarar a própria Batalha de Carabobo, evento decisivo da guerra de libertação do país.

Naqueles momentos delicados, Berenice fez e refez as contas, calculando as notas necessárias para assegurar o bronze. “É naquele instante que você remonta as estratégias. Reunimos as meninas e decidi simplificar. Tirei um ou outro elemento inseguro, mas avisei: ‘vocês não podem errar’”.

O drama era agudo. No último rodízio, a Venezuela fazia o solo e corria, teoricamente, risco de errar menor do que o Brasil, que encarava as paralelas. “Felizmente, as nossas conseguiram cravar as séries todas”, conta Berenice.

Com aquela conquista, o Brasil finalmente alcançava um resultado que espelhava seus esforços, que não foram poucos, para crescer na ginástica. “Pode ser que hoje muita gente não dê bola para essa medalha, por ser um bronze. Mas sabemos as dificuldades que atravessamos. Por muitos anos, treinamos em trampolins de madeira, com colchões de palha. Foi necessária muita luta para chegarmos ao pódio”, diz Berenice, que esteve em Anaheim durante o Mundial de 2003, onde Daiane dos Santos se consagrou campeã mundial de solo. “Eu me emocionei muito com a conquista da Dai. Posso dizer que nossas ginastas construíram algo que foi importante em Caracas. A gente faz parte dessa história de conquistas impressionantes que a Ginástica Brasileira tem hoje”.

“Todo mundo merece os parabéns. Existia uma sede muito grande de conquista. Tivemos muita dificuldade para desenvolver a Ginástica, por causa da falta de estrutura, de patrocínio. Nossos pais bancavam quase tudo: viagens, uniformes. Quando tinha uma Olimpíada, classificava-se uma apenas. Era de uma em uma, num progresso lento. Por isso agradeço a todos os treinadores daquela época: Berenice, José Arruda, Sônia Robalo e ao Mário, que depois foi meu treinador no Fluminense. Peço desculpas se esqueci de algum. Eram abnegados como nós. Fizemos tudo com muito amor”, diz Eliane.

Está provado então que havia gigantas? Então anote aí os nomes: Jaqueline Pires, Tatiana Figueiredo, Altair Prado, Claudia Magalhães, Marian Fernandes, Denilce Campos, Eliane Pereira, a treinadora Berenice Arruda e Mário César de Carvalho.

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